Jinsulas
07-08-2004, 21:11
Livro Segundo
I
Na manhã seguinte, Carlos, que se erguera cedo, veio a pé do Ramalhete até á rua de S. Francisco, a casa de Madame Gomes. No patamar, onde morria em penumbra a luz distante da claraboia, uma velha de lenço na cabeça, encolhida n'um chalesinho preto, esperava, sentada melancolicamente ao canto do banco de palhinha. A porta aberta mostrava uma parede feia de corredor, forrada de papel amarello. Dentro um relogio ronceiro estava batendo dez horas.
- A senhora já tocou? perguntou Carlos, erguendo o chapéo.
A velha murmurou, d'entre a sombra do lenço que lhe cahia para os olhos, n'um tom cançado e doente:
- Já, sim, meu senhor. Já fizeram o favor de me fallar. O criado, o snr. Domingos, não tarda...
Carlos esperou, passeando lentamente no patamar. Do segundo andar vinha um barulho alegre de crianças brincando; por cima, o moço do Cruges esfregava a escada com estrondo, assobiando desesperadamente o fado. Um longo minuto arrastou-se, depois outro, infindavel. A velha, d'entre a negrura do lenço, deu um suspirosinho abatido. Lá ao fundo um canario rompera a cantar; e então Carlos, impaciente, puxou o cordão da campainha.
Um criado de suissas ruivas, correctamente abotoado n'um jaquetão de flanella, appareceu correndo, com uma travessa na mão, abafada n'um guardanapo; e ao vêr Carlos ficou tão atarantado, bambaleando á porta, que um pouco de molho de assado escorregou, cahiu sobre o soalho.
- Oh snr. D. Carlos Eduardo, faz favor d'entrar!... Ora esta! Tem a bondade d'esperar um instantinho, que eu abro já a sala... Tome lá, snr.ª Augusta, tome lá, olhe não entorne mais! A senhora diz que lá manda logo o vinho do Porto... Desculpe v. exc.ª, snr. D. Carlos... Por aqui, meu senhor...
Os Maias
Eça de Queirós
I
Na manhã seguinte, Carlos, que se erguera cedo, veio a pé do Ramalhete até á rua de S. Francisco, a casa de Madame Gomes. No patamar, onde morria em penumbra a luz distante da claraboia, uma velha de lenço na cabeça, encolhida n'um chalesinho preto, esperava, sentada melancolicamente ao canto do banco de palhinha. A porta aberta mostrava uma parede feia de corredor, forrada de papel amarello. Dentro um relogio ronceiro estava batendo dez horas.
- A senhora já tocou? perguntou Carlos, erguendo o chapéo.
A velha murmurou, d'entre a sombra do lenço que lhe cahia para os olhos, n'um tom cançado e doente:
- Já, sim, meu senhor. Já fizeram o favor de me fallar. O criado, o snr. Domingos, não tarda...
Carlos esperou, passeando lentamente no patamar. Do segundo andar vinha um barulho alegre de crianças brincando; por cima, o moço do Cruges esfregava a escada com estrondo, assobiando desesperadamente o fado. Um longo minuto arrastou-se, depois outro, infindavel. A velha, d'entre a negrura do lenço, deu um suspirosinho abatido. Lá ao fundo um canario rompera a cantar; e então Carlos, impaciente, puxou o cordão da campainha.
Um criado de suissas ruivas, correctamente abotoado n'um jaquetão de flanella, appareceu correndo, com uma travessa na mão, abafada n'um guardanapo; e ao vêr Carlos ficou tão atarantado, bambaleando á porta, que um pouco de molho de assado escorregou, cahiu sobre o soalho.
- Oh snr. D. Carlos Eduardo, faz favor d'entrar!... Ora esta! Tem a bondade d'esperar um instantinho, que eu abro já a sala... Tome lá, snr.ª Augusta, tome lá, olhe não entorne mais! A senhora diz que lá manda logo o vinho do Porto... Desculpe v. exc.ª, snr. D. Carlos... Por aqui, meu senhor...
Os Maias
Eça de Queirós